Caros leitores e amigos, hoje venho trazer um tema que guarda muita controvérsia no mundo jurídico e divide opiniões entre a doutrina e a jurisprudência que ainda não consolidou um entendimento acerca do assunto, sobre a qual irei expressar minha opinião pessoal.
De antemão gostaria de salientar que não estou falando daquele parcelamento administrativo, que é concedido na forma e condições da lei específica, fulcrado no Art. 155-A do CTN, mas sim, do parcelamento realizado no bojo processual fulcrado pelo Art. 916 do NCPC, onde o executado deposita 30% do valor e paga o restante de 6 (seis) parcelas, com juros de 1% ao mês.
Tal controvérsia surgiu por uma experiência própria, onde o órgão público encontra-se impedido de realizar o parcelamento de débitos provenientes de ICMS-ST, com base em uma vedação legal de tal espécie de parcelamento.
Vedado o parcelamento administrativo, a saída então seria o pedido de parcelamento processual com a aplicação do Art. 916 do NCPC, que entretanto encontra resistência em alguns tribunais que entendem que tal dispositivo não é aplicável ao processo de execução fiscal, vez que este conta com lei própria.
Pois bem.
Reza com efeitos o Art. 916 do NCPC:
Art. 916. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de custas e de honorários de advogado, o executado poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês.
O dispositivo supra cuida da possibilidade do parcelamento da dívida fruto de execução no bojo processual, onde, o EXECUTADO poderá realizar o depósito de 30% (trinta porcento) do valor em execução, e requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescido de correção monetária e de juros de um porcento.
Cumpre, entretanto salientar, que tal instituto não é uma inovação trazida aos ventos da alteração legislativa promovida em 2016, mas sim, tinha previsão expressa no Código de Processo Civil de 1973, consubstanciada através do Art. 745-A, inserido através da lei nº 11.382/2006.
Sob esta ótica, devemos analisar os motivos que levaram o legislador ordinário a inserir tal disposição no códex procedimental através da lei 11.382/2006. Neste sentido, extraímos da exposição de motivos da lei retro, que o legislador ordinário chama o procedimento executivo de “calcanhar de Aquiles” do processo, lastreado na dificuldade de impor no mundo dos fatos, os preceitos construídos no mundo do direito “in verbis”:
5. Tornou-se necessário, já agora, passarmos do pensamento à ação em tema de melhoria dos procedimentos executivos. A execução permanece o ‘calcanhar de Aquiles’ do processo. Nada mais difícil, com frequência, do que impor no mundo dos fatos os preceitos abstratamente formulados no mundo do direito.
Além disso, o próprio legislativo, reconheceu que as alterações promovidas pela lei 11.382/2006, tinham o condão de buscar “maneiras de melhorar o desempenho processual”:
6. Ponderando, inclusive, o reduzido número de magistrados atuantes em nosso país, sob índice de litigiosidade sempre crescente (pelas ações tradicionais e pelas decorrentes da moderna tutela aos direitos transindividuais), impõem-se buscar maneiras de melhorar o desempenho processual (sem fórmulas mágicas, que não as há), ainda que devemos em certas matérias (e por quê não?), retornar por vezes caminhos antigos (e aqui o exemplo do procedimento do agravo, em sua atual técnica, versão atualizada das antigas ‘cartas diretas’ …), ainda que expungidos rituais e formalismos anacrônicos.
13. Este segundo projeto, que buscou inspiração em críticas construtivas formuladas em sede doutrinária e também nas experiências reveladas em sede jurisprudencial, parte das seguintes posições fundamentais:
[…]
e) é prevista a possibilidade de o executado requerer, no prazo para embargos (com o reconhecimento da dívida e a renúncia aos embargos), o pagamento em até seis parcelas mensais, com o depósito inicial de trinta por cento do valor do débito;Na esteira da busca de um melhor desempenho processual e como diz o próprio legislador ordinário “propiciar maior efetividade à execução”, a lei11.3822/2006 trouxe ao ordenamento jurídico pátrio a previsão de parcelamento do débito executado:
[…]
j) são sugeridas muitas alterações no sentido de propiciar maior efetividade à execução, pela adoção de condutas preconizadas pela doutrina e pelos tribunais ou sugeridas pela dinâmica das atuais relações econômicas, inclusive com o apelo aos meios eletrônicos, limitando-se o formalismo ao estritamente necessário;
Observa-se que a edição da previsão do parcelamento da dívida objeto da execução no Código de Processo Civil, tem natureza instrumental, com o claro condão de propiciar maior efetividade ao processo de execução sob a ótica das atuais relações econômicas.
Isso porque neste ponto devemos diferenciar os destinatários da Norma. No caso ao CTN, podemos notar que tratam-se de normas de direito material, que são destinadas à própria administração pública que é credora na relação tributária material e que pode conceder o parcelamento administrativo do débito.
O procedimento judicial de execução fiscal do débito por sua vez, é regulamentado pela lei procedimental, que se consubstancia na lei de execuções fiscais (lei 6.830/1980), ou seja, trata-se de uma lei que regulamenta o tramite processual destinada ao juiz que realiza a aplicação da lei.
Vencida essa diferença entre o direito material e processual, devemos verificar então a possibilidade de aplicar o parcelamento “processual” ao processo de execução fiscal. O Art. 1º da Lei de Execuções Fiscais, reza com efeitos que:
Art. 1º – A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
Em suma, o processo de execução judicial da divida ativa dos estados, será regido pelo diploma supra, com aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. O que se verifica é que a norma que regulamenta o procedimento da execução fiscal é retrograda tratando-se de uma lei de 1980.
Nesse norte notamos que o Código de Processo Civil de 1973, não continha a previsão de parcelamento da dívida uma vez que foi editado sob outra realidade econômica. Dado isso notadamente a lei de execuções fiscais também seguiu tal realidade, vez que foi editada à mesma época.
Nessa linha de raciocínio, conforme já demonstrado a edição da lei que alterou o Código de Processo Civil, buscou maneiras de melhorar o procedimento de execução, considerado como ineficiente pelo legislador ordinário, motivo pelo qual se criou o instituto do parcelamento, em uma busca à adequação dos procedimentos à “dinâmica das atuais relações econômicas”. Entretanto, nenhuma modificação houve na lei de execuções fiscais, permanecendo-se o texto retrogrado e que não revela compatibilidade com as alterações nas relações econômicas e sociais, nestes 40 (quarenta) anos.
Assim, acreditamos que se a lei de Execuções Fiscais fosse alterada, também contaria com o instituto do parcelamento, ao passo que segundo estudos realizados pela Associação dos Juízes no Brasil, o processo de execução fiscal é ineficaz e não consegue alcançar os seus objetivos:
“… 4. A execução fiscal no Brasil é um processo judicial que está regulado na Lei nº 6.830, de 1980. Nos termos desta lei, todo processo, desde o seu início, com a citação do contribuinte, até a sua conclusão, com a arrematação dos bens e a satisfação do crédito, é judicial, ou seja, conduzido por um Juiz. Tal sistemática, pela alta dose de formalidade de que se reveste o processo judicial, apresenta-se como um sistema altamente moroso, caro e de baixa eficiência. 5. Dados obtidos nos Tribunais de Justiça de três Estados demonstram claramente essa situação: 6. Veja-se que menos de 20% dos novos processos de execução fiscal distribuídos em cada ano tem a correspondente conclusão nos processos judiciais em curso, o que produz um crescimento geométrico do estoque. Em decorrência desta realidade, a proporção de execuções fiscais em relação aos demais processos judiciais é desproporcional, como mostra a tabela a seguir: … 7. Note-se que o número de execuções fiscais equivale a mais de 50% dos processos judiciais em curso no âmbito do Poder Judiciário. No caso da Justiça Federal, esta proporção é de 36,8%, e retrata o crescimento vegetativo equivalente ao da Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. 8. Consoante o relatório “Justiça em Números”, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2005, a taxa média de encerramento de controvérsias em relação com novas execuções fiscais ajuizadas é inferior a 50% e aponta um crescimento de 15% do estoque de ações em tramitação na 1ª instância da Justiça Federal. O valor final aponta para uma taxa de congestionamento médio de 80% nos julgamentos em 1ª instância. 9. Estima-se, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que, em média, a fase administrativa dura 4 anos, enquanto a fase judicial leva 12 anos para ser concluída, o que explica em boa medida a baixa satisfação eficácia da execução forçada (menos de 1% do estoque da dívida ativa da União de R$400 bilhões de reais ingressam nos cofres públicos a cada ano por essa via). O percentual do ingresso somente cresce com as medidas de parcelamento adotadas (REFIS, PAES e PAEX) e com a incorporação dos depósitos judiciais, mas não ultrapassa a 2,5% do estoque. (R$ 9,6 bilhões de reais de arrecadação em 2006). 10. De fato, o estoque da dívida ativa da União, incluída a da Previdência Social, já alcança a cifra de R$600 bilhões de reais e, uma vez incorporado o que ainda está em litígio administrativo, chega-se à impressionante cifra de R$900 bilhões de reais. Este número representa 1,5 vezes a estimativa de arrecadação da União para 2006 e, apenas no âmbito da arrecadação federal, cerca da metade do PIB do País. 11. São 2,5 milhões de processos judiciais na Justiça Federal, com baixíssima taxa de impugnação no âmbito judicial, seja por meio dos embargos, seja por meio da exceção de pré- executividade 12. É importante destacar, ainda, que a baixa eficiência da cobrança forçada da dívida ativa não tem afetado apenas as contas do Fisco. Em verdade, tal situação produz graves distorções nos mercados, sendo profundamente danoso para a livre concorrência, uma vez que as sociedades empresárias que honram pontualmente suas obrigações fiscais vêem-se, muitas vezes, na contingência de concorrer com outras que, sabedoras da ineficácia dos procedimentos de cobrança em vigor, pagam ou protraem no tempo o pagamento de tributos, valendo-se da ineficácia dos procedimentos de cobrança em vigor.
Note caro leitor, que do estudo realizado pela associação dos magistrados no Brasil, demonstra que o processo executivo fiscal é retrogrado e não se enquadra na realidade econômica atual necessitando assim de reformas.
À luz de tal informação e não esquecendo do princípio da menor onerosidade ao devedor, penso que se faz possível e necessária a aplicação subsidiária do Art. 916 do NCPC, aos processos de execução fiscal, vez que, trata-se claramente de uma regra processual, que aplicação subsidiária.
Nesse sentido a 3ª Turma do TRF-3, consolidou o entendimento nesse sentido:
PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO PREVISTO NO ARTIGO 745-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. 1. Agravo de instrumento interposto contra a decisão que determinou o prosseguimento da execução com a expedição de mandado de penhora e avaliação de bens no valor da execução, acrescido de multa de 10 % (dez por cento). 2. O objetivo buscado pela recorrente nos presentes autos é o pagamento parcelado do débito executado, conforme se observa do requerimento apresentado, nos termos da Lei 11.382/2006. 3. Após ser determinada a manifestação dos exeqüentes sobreveio petição do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação não se opondo ao pedido, e da União Federal / Fazenda Nacional discordando, ao fundamento que não teria autorização para conceder parcelamentos não previstos em lei específica, o que resultou na decisão ora recorrida. 4. A determinação de prosseguimento da execução foi fundamentada tão-somente na discordância da União Federal com o pedido de parcelamento. 5. Entretanto, com a inclusão do artigo 745-A e seus parágrafos no Código de Processo Civil, pela Lei 11.382/2006, passou a constar no ordenamento jurídico a possibilidade de parcelamento judicial, mediante requerimento do executado e deferimento do juiz, independentemente de concordância do exeqüente, razão pela qual não seria razoável a manutenção da decisão proferida apenas por esse motivo, sendo certo que as alterações promovidas tiveram o objetivo de proporcionar ao executado meios de adimplir o seu débito sem inviabilizar sua subsistência ou possibilitar a manutenção da atividade empresarial, conforme o caso concreto. 6. Registre-se, por fim, que a legislação específica que disciplina a execução fiscal dos valores devidos à Fazenda Nacional (Lei 6.830/80) prevê expressamente (artigo 1º) a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, razão pela qual as alterações legislativas efetuadas mostram-se inteiramente aplicáveis na hipótese sob exame. 7. Agravo de instrumento conhecido e provido. (AG 200702010082519, Desembargador Federal FRANCISCO PIZZOLANTE, TRF2 – TERCEIRA TURMA ESPECIALIZADA, 08/04/2008)
Deste modo, diante de todo o exposto, creio que se faz possível a aplicação subsidiária do Art. 916 do NCPC ao processo de execução fiscal, sendo desta feita, plenamente possível o depósito de 30% (trinta por cento) do valor do débito e o restante do pagamento de 6 (seis) parcelas iguais, com juros de 1% (um por cento) ao mês.